Segunda-feira, 5 de Maio de 2025

O Livro IV ( Lembram-se?!)

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O Livro IV ( Lembram-se?!)


- Regressaste quando?
- Logo na Páscoa, no dia da Ressurreição. Vinha ressuscitada... mas agora já não... já não me sinto ressuscitada. Isto por aqui é muito doentio ou eu não me libertei mesmo, está visto. Li por aí que a ressurreição ou é uma insurreição ou não se ressuscita.
Mariana, sentou-se e perguntou-lhe o que tinha acontecido no seu País, no entretanto que esteve fora, que toda a gente falara de amêndoas e coisas doces enquanto lá fora morria gente, e as madrinhas tinham dado presentes aos afilhados, e as avós tinham enchido envelopes com dinheiro que não tinham tido em crianças, como se o Mundo fosse movido a bens materiais.

- Mas é movido a bens materiais, Mariana!
- Fala quem passa 24 horas nas urgências de um hospital a ganhar quase nada por isso.
-É a Vida! Cada um é para o que nasce. Sabes? Vou a Varsóvia no próximo mês.
Mariana não perguntou nada. Fumava o seu heets turquesa como quem fuma a ponta de um pau de canela que dura só o tempo de mexer o café sem açúcar.
Não estranhei o silêncio. Devia estar a preparar-se para disparar alguma mas, continha-se.
-Não dizes nada?
- Nada.

Sabia que a censura estava em remoinho na cabeça dela e que se debatia entre o voluntarismo e o medo. Nunca compreendia porque é que ultimamente Mariana evitava o confronto. De repente, depois de um longo sopro, saiu a resposta, mesmo no final do heets turquesa:
- Não sei porque vais lá agora, mas deves querer correr riscos. Ou vais em missão humanitária? Já viste a data que é na semana em que lá vais? Em Maio muita coisa há para celebrar ao lado da fronteira da Polónia e, tu sabes do que falo.

Tirou o cigarro e olhou-o entre os dedos. Não era preciso esmagar a ponta para o apagar, ele apagava-se depois de gasto. Voltou à carga face ao meu silêncio.
- Quando pensaste ir a Cracóvia há 6 anos, não foste. Agora vais a qual dos campos de concentração? Ao de Auschwitz, Jasenovac,Gross-Rosen, Lvov, Belzec, ou ainda dás um pulinho aos Gulags, os únicos que , irónicamente, não eram de extermínio...

Mariana ía dizendo os nomes um a um com ironia na voz, já não tinha a proteção do fumo do heets turquesa, parecera ter perdido os filtros, pusera-se em pé e caminhava de um lado para o outro, como se estivesse a fazer cálculos urgentes a que não sabia dar utilidade.

Podes ir aos novos campos...às valas comuns que se vão abrindo, dizem, quase todos os dias. Vais lá na semana que apanha o 1 de Maio e o 10 de Maio. Pensa, pensa bem no que poderá acontecer.

- Mariana, eu não vou a Kiev, nem a Moscovo. Vou à Croácia e sim, penso visitar campos de concentração.
- De extermínio - corrigiu - é muito diferente embora sejam todos um atentado gritante aos Direitos de quem é de carne e osso.
Calei-me. Não lhe ía explicar mais nada do que lá ía fazer se eu nem sabia bem o que era, mas ía. Tinha de ir, tinham-me destacado para ir e eu queria ir. mas atirei-lhe para que acordasse:
- E tu, na tua viagem pela Ásia, foste a Myanmar? Andaste lá perto. Chegaste a pensar nos campos de concentração dos rohingyas?

Mariana olhou-me de longe meio espantada, apanhada de surpresa, como quem leva uma cotovelada no meio do peito. Ela que vinha cheia de espírito zen quando regressou, engoliu em seco. Ela não ignorava mas nem se lembrou porque, na verdade os Media não nos martelavam a cabeça com os rohingyas no Sudeste Asiático, perto da fronteira com a Tailândia que há mais de 4 anos sofriam refugiados, fugitivos por questões religiosas, políticas, territoriais, crianças que cresciam no meio do nada.

Viu-a acender outro turquesa, como se o fumo, o som do nome, a levasse de regresso ao pequeno paraíso para onde fugira mas não apagara as injustiças e as incompreensões do Mundo à sua volta. deixou-se cair naquele abandono tão seu no meu sofá e silenciou enovelada num fumo com cheiro a " faz de conta".

 

ACCB
( continua?)

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O Arco da Amizade dos Povos em Kiev

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escrito no papiro por ACCB às 22:05
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