O impulso para a escrita emana de um conjunto de factores aleatórios e irrepetíveis.
É a hora, o local que pode ser de pressa, a caminho do aeroporto, a música que toca no rádio do carro silencioso, o olhar do condutor fixado automaticamente na estrada.
Há tantos fatores momentâneos, que não se conjugam sempre e, na maior parte das vezes , não se conjugam mais.
E sentimos, sim agora escrevia um livro, a primeira parte ou, outra parte daquele que já se andava a escrever e parou como quando se suspende a leitura de um de muitos livros que dormem na mesa de cabeceira mas nunca têm pó.
Sabemos pelo pó dos livros há quanto tempo ninguém olha para eles, como quem não olha mais para um amor gasto de tanto conter sempre os mesmos gestos e rotinas.
Mas os livros são seres assim cheios de mundos, com portais para vidas que nunca foram vividas a não ser no papel, conspirações que podiam ser levadas a cabo na realidade que não sabemos se não é só já virtual.
Será que vivemos outra dimensão ou também noutra dimensão ?!
E qual delas é a real? A do momento à pressa a caminho do aeroporto ou a outra onde isso ainda não aconteceu, ou talvez aquela onde nem há aeroporto.
E se fôssemos todos células de um grande ser? Mitocondrias de um grande sistema, ínfimos pormenores de um universo maior que o imaginado.
No carro o rádio insiste na música, é antiga e agradável, mas não a fixo porque entretanto faço um check In mental dos documentos que trago comigo para mais à frente me enfiar numa máquina que voa durante duas horas até ao destino…
E para quando o teletransporte?!
E se fica alguma coisa para trás ?!por exemplo um braço , um nariz, a língua !!! senhores,… a língua !….
Terminal 1.Chegámos. Penso que estive a tomar banho mas, o carro com os pneus em baixo e um cheiro de quem não tem o duche matinal, faz-me pensar quando o condutor abre o porta bagagens , felizmente, não tem lá outro a dormir atrás.
Mal fala o português mas sorri em qualquer língua.
E os sorrisos como diz o poeta, abrem as portas.
Saio em direção à segurança, há que deixar formalidades cumpridas rapidamente para depois desfrutar a observação dos passageiros do tempo, para cá e para lá, enquanto eu espero o meu espaço na viagem.
Viajar e ler, portas para tantos mundos sem portas.
Um prazer conseguido tão raramente que, na reta final de uma carreira que passou num ápice, ambicionas aeroportos, livros, músicas que conheces mas esqueces onde ouviste a última vez.
Guardar sabores, conjugações únicas e irrepetíveis, locais, memórias…registar os momentos, as pessoas, os sonhos, as Vidas, as realidades ainda que paralelas…
Viver os espaços de paz e civilização até que um louco qualquer ameace trocar o guião.
É assim que a minha geração que nasceu num Mundo saído da guerra e viveu em direção à tecnologia e à ciência, não se conforma com um retrocesso.
Há que ocupar as vontades de vida e não de sofrimento, há que exigir aquilo a que temos direito, há que provar que este espaço habitável não é um mundo de guerra e que, aqueles onde o conflito se foca, não podem expandir-se e devem ser severa e rapidamente parados.
Já me alonguei demasiado … Se os vossos olhos me lerem,… diga-me das vossas verdades ainda que pensem que nesta fase da Vida eu já não devia desejar mudar o Mundo.
Senhores passageiros peço-vos que coloquem os cintos, endireitem as costas da cadeira.
Vamos começar a descer … …