O poeta superior diz o que efectivamente sente.
O poeta médio diz o que decide sentir.
O poeta inferior diz o que julga que deve sentir.
Nada disto tem que ver com a sinceridade.
Em primeiro lugar, ninguém sabe o que verdadeiramente sente: é possível sentirmos alívio com a morte de alguém querido, e julgar que estamos sentindo pena, porque é isso que se deve sentir nessas ocasiões.
A maioria da gente sente convencionalmente, embora com a maior sinceridade humana; o que não sente é com qualquer espécie ou grau de sinceridade intelectual, e essa é que importa no poeta.
Tanto assim é que não creio que haja, em toda a já longa história da Poesia, mais que uns quatro ou cinco poetas, que disessem o que verdadeiramente, e não só efectivamente, sentiam.
Há alguns, muito grandes, que nunca o disseram, que foram sempre incapazes de o dizer.
Quando muito há, em certos poetas, momentos em que dizem o que sentem.
Aqui e ali o disse Wordsworth. Uma ou duas vezes o disse Coleridge: pois a Rima do Velho Nauta e Kubla Khan são mais sinceros que todo o Milton, direi mesmo que todo o Shakespeare.
Há apenas uma reserva com respeito a Shakespeare: é que Shakespeare era essencial e estruturalmente factício; e por isso a sua constante insinceridade chega a ser uma constante sinceridade, de onde a sua grandeza.
Quando um poeta inferior sente, sente sempre por caderno de encargos.
Pode ser sincero na emoção: que importa, se o não é na poesia?
Há poetas que atiram com o que sentem para o verso; nunca verificaram que o não sentiram.
Chora Camões a perda da alma sua gentil; e afinal quem chora é Petrarca.
Se Camões tivesse tido a emoção sinceramente sua, teria encontrado uma forma nova, palavras novas — tudo menos o soneto e o verso de dez sílabas.
Mas não: usou o soneto em decassílabos como usaria luto na vida.
O meu mestre Caeiro foi o único poeta inteiramente sincero do mundo.
Álvaro de Campos
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