
Fernando Pessoa morreu no inicio da noite do dia 30 de novembro de 1935.
Poucos minutos antes de partir proferiu as suas últimas palavras.
“Dê-me os óculos”…
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Fernando Pessoa sem óculos
Dizem que apenas Álvaro de Campos preferia usar o monóculo na ordenação furiosa que dava às palavras.
Todos os outros usavam os tais óculos de astes finas cujas lentes escondiam os olhos castanhos perscrutadores das almas e dos silêncios, muitas vezes dos pontos ocultos no centro do ruído.
Um Mundo!,... esses olhos em frente à alma, às almas de Pessoa por de trás das lentas que não lhe aumentavam o sentir, apenas lhe devolviam as imagens quase em tamanho real...
... ... O que é a realidade?...
"A espantosa realidade das coisas
É a minha descoberta de todos os dias.
Cada coisa é o que é,
E é difícil explicar a alguém quanto isso me alegra,
E quanto isso me basta.
Basta existir para se ser completo."
Será?
A partir do momento em que pronunciamos uma palavra, uma frase, ou damos corpo a uma ideia, elas existem e existem como quisermos que sejam ou como quiserem que sejam e entenderem que são?
Uma ideia é várias coisas? Todas as que cada um entender que pode ser ou que é , até a dúvida de que o seja... Ou uma ideia não é mais do que aquilo que é se não se materializar. E não se materializa a partir do momento em que tem corpo de palavras ou som de voz?...
"Uma vez chamaram-me poeta materialista,
E eu admirei-me, porque não julgava
Que se me pudesse chamar qualquer coisa.
Eu nem sequer sou poeta: vejo."
Catalogamos, ou adjetivamos o que vemos, o que nos chega transmitido pelos sentidos dos outros.
Não há uma fórmula para sentir...
É por isso que a inteligência artificial não sente...Ou poderá vir a sentir?
Não me cabe na ideia que seja possível que venha a sentir, teria de ter hormonas e não tem. Saberá das reações a palavras e comportamentos o algoritmo, mas não saberá senti-los de acordo com as várias possibilidades dos vários sentires, dos vários grupos hormonais...
"Às vezes ponho-me a olhar para uma pedra.
Não me ponho a pensar se ela sente.
Não me perco a chamar-lhe minha irmã.
Mas gosto dela por ela ser uma pedra,
Gosto dela porque ela não sente nada,
Gosto dela porque ela não tem parentesco nenhum comigo.
Outras vezes ouço passar o vento,
E acho que só para ouvir passar o vento vale a pena ter nascido."
Os óculos de Fernando Pessoa são míopes e não o são por verem mal ou diminuirem as coisas,... antes por as esmiuçarem ao ínfimo sentimento, num esforço de as entenderem.
Deu-me para pensar como veria ele os avanços tecnológicos quase 100 anos depois, como encararia a IA....
E se Fernando Pessoa tivesse sido operado à miopia?
Mesmo assim acho que pediria os óculos nos últimos minutos.
Faziam parte dele, do seu sentir e do seu pensamento, como teria podido deixá-los para trás?!... Às vezes penso que não via através deles... via antes de chegar a eles, do lado de fora dos ditos...depois recuava e escondia-se atrás deles e ficava a aumentar as imagens, os gestos, os sentires ... e escrevia languidamente, ao correr do pensamento solto, sem análise prévia, analisando e criando como quem faz o caminho... numa preguiça analítica... destrutiva, quase caos para depois ser criativa....
E se Fernando Pessoa nem fosse míope?
E se não era?
E se os óculos eram apenas para partir para os Mundos (todos), em que vivia?
.... - "Dê-me os óculos"......"Eu nem sequer sou poeta: vejo."
(...)
"Está bem, ficarei aqui sonhando versos e sorrindo em itálico.
É tão engraçada esta parte assistente da vida! Até não
consigo acender o cigarro seguinte… Se é um gesto, "
