Não tem nada, nada a não ser o equilíbrio entre o cigarro e os calcanhares
Dizem que escreve poemas quando o vento não se mexe na beira da maré
Vai até à beira mar e desafia-o, diz-lhe que nunca o poderá derrubar, nem quando, como em criança, lhe mete medo.
Não tem nada. Deixou crescer o cabelo e a barba. Já não bebe Bourbon mas não perde um conhaque aquecido.
Nos dias em que o vento fica preso no nevoeiro vai até à beira mar e fica ali suspenso, equilibrado entre o cigarro e os calcanhares e desafia o tempo.
Diz que procura o equilíbrio eterno,... como quando os outros nos aceitam por nos imaginarem e não por nos conhecerem.
Um dia disse-me que ser equilibrado não é ser equilibrado, é parecer, é corresponder à inclinação da maioria e não cair na tentação de os tentar desequilibrar.
Treina aquilo há muitos anos,....é como uma posição de karaté.... não a preparar o ataque mas a observá-lo.
Um dia perguntei-lhe se, algum dia, conseguiria equilibra-me assim como uma ave em contemplação, nos calcanhares com o braço em descanso no joelho e tirar uma longa fumaça roubada ao tempo que me encurta a vida.....
Disse que não sabia......... cada caso era um caso e ele era um caso perdido.
Ninguém sabia do seu próprio ponto de equilíbrio que não era de certeza aquele que os outros idealizavam..... Mas talvez com treino...
O segredo, disse ele,... é alhearmo-nos tanto quanto nos concentramos no que se passa em redor, só como observadores, sem nunca intervir, sem nunca chamar atenção...
Sem nunca deixar pegadas.... saltar o estado de equilibrio apenas quando a maré pode apagar as marcas........
Afastei-me sem o entender. Nunca conseguiria aquela pose de flamingo sem a cabeça debaixo da asa....
E então percebi, o eixo do ponto certo era a estrutura interna do abandono das raivas e dos medos, o eixo do ponto de equilíbrio ficava ali mesmo em linha recta dos calcanhares aos ombros completamente abandonados ao nada .... O olhar e o cigarro é que observavam tudo... ele apenas ouvia, escutava ..... num silêncio em equilíbrio com o mar...E todos o achavam ausente mas ele apenas não se envolvia.
Regressei e pedi-lhe um cigarro. Saí dali deixando marcas pela beira mar.... Eu nunca saberia o meu ponto de equilíbrio, cada caso é um caso e, no meu caso, .... era preciso muito treino.