Demora-te no aconchego de um nome mudo, de um segredo que te tivesse chegado às mãos e não queimasse, de uma luz capaz de te trespassar os olhos sem cegar:
detém-te no que de beleza te atordoa mesmo que o ar te falte e a vertigem te retire o chão dos pés, enrolando como pano cru, o céu acima de ti
vai até onde toda a urgência se faz vã, observa a semente que germina, medita no segredo da planta que perfura a pele da terra, no lento desembrulhar das folhas, das flores, no sumarento insuflar dos frutos, detém-te diante de um casulo de insecto, sua seda enlaçada e brilhante, sente a textura e absorve a cor aveludada do musgo, repara no fluxo do pequeno ribeiro que rasga seu caminho por entre a ruiva cabeleira dos vimieiros, ergue o olhar até à linha da montanha que o nevoeiro devasta e diz-me: se um dia cada palavra aprender os sentidos que os teus sentidos lhe oferecem, que poderá haver ainda que elas não saibam dizer por ti?
ANTÓNIO GIL, in RIO DE DOZE ÁGUAS, 12 poetas (Coisas de Ler, 2012)