Não, não estou acima da lei.
Vamos por partes:
Os juízes só podem ser detidos e/ou sujeitos a prisão preventiva em determinadas situações excepcionais, que não as mesmas que abrangem a generalidade dos cidadãos.
É uma norma excepcional e sendo excepcional, gera diferenças de tratamento. Como tal, o cidadão desconfia e questiona porque é que um juiz não pode ser detido ou preso preventivamente tal como qualquer outro cidadão, estando assim acima da lei.
É o preço da democracia e passo a explicar porquê:
Não são apenas os juízes. São também os deputados da Assembleia da República, o Presidente da República, candidatos a autarquias (entre outros, com regimes não iguais mas semelhantes).
Porquê?
Para evitar ou reduzir o risco de perseguições politicas.
Basta pensar no que aconteceria se porventura Portugal fosse uma “democracia musculada” como certos países que nós conhecemos (não é preciso puxar muito pela cabeça para imaginar três ou quatro destes países e não é preciso ir ao Iraque para chegar lá).
Quem não estivesse de acordo com o regime musculado vigente seria certamente alvo de despedimentos, exoneração de funções, e porque não dizê-lo, detenções fora do flagrante delito e prisões preventivas.
Pelo contrário, com estas prerrogativas especiais, existe a garantia que numa situação como esta pelo menos, um conjunto de pessoas que são o garante da democracia (juízes, deputados, candidatos a eleições, presidentes da república) não podem ser detidos ou presos por qualquer suspeita mas apenas em casos excepcionais.
Felizmente, vivemos num país em que a democracia é saudável e, como tal, tomamo-la como adquirida porém, a mesma não o é. O problema é que não podemos eliminar estas normas especiais (e desiguais) e depois, mais tarde, caso a saúde da nossa democracia se degrade, restabelecer as mesmas à pressa para restringir a possibilidade de perseguições políticas.
Custa-nos sempre pagar um preço por aquilo que consideramos adquirido mas isso não significa que este preço em concreto, a saber a desigualdade do juiz perante o cidadão, não traga benefícios a longo prazo que compensem largamente a diferenciação.
E se o juiz for um homicida?
Pois, é uma boa questão mas há que relembrar que não foram poucos os casos na história em que um assassinato no qual ninguém descobriu qual o seu autor mediato (por exemplo, porque quem puxou o gatilho foi abatido) deu origem a uma série de detenções e prisões digamos que “convenientes” apenas porque a vítima estava ligada a uma determinada facção política ou escola de pensamento.
Deixo esta desigualdade à vossa consideração com a certeza de que, durante o meu dia-a-dia, nem eu nem os meus colegas nos lembramos desta norma especial a qual, felizmente, na sociedade democrática que vivemos, não assume assim tanta importância.
Agora vou jantar.
Não tenham medo, não vou matar ninguém.
PS - Já agora, quando aparecer alguém na televisão ou jornais indignado com este "privilégio", desconfiem. Ou desconhece as razões que estão por detrás da excepção à regra ou então é mal intencionado.