Fecho o olhar. Aquele que era o meu mais vivo e mais luminoso gesto sobre o mundo.
Cerro a voz e o sentir sobre o resto à volta. Cubro o rosto de saudades e tempo perdido.
Não me lembro de ter mudado tanto assim.
Talvez o cinzel do artista, a pouco e pouco retire os pedacinhos de tempo que solidificaram e cobriram os olhos, a cor dos olhos, o calor dos olhos e a doçura que tinham.
Há um tempo para tudo, até para cobrir a verdade com um véu, e fechar aos teus sentidos o que é meu.
Como se a mulher contida no olhar fosse apenas um anjo vigilante e vingador de vários rostos e várias vontades... e a vontade única fosse a de te fechar a ela.
O poeta não diz:- Eu sei escrever poesia O poeta não sabe que sabe escrever poesias, nem sabe que o escreve é poesia. Sabe isso quem lê o que ele escreve. O poeta não diz: Eu sou poeta Ele não sabe que é poeta. É quem o lê que o faz poeta. O poeta escreve porque sente E vai falando do que sente O poeta não fala do que sabe É muito mais aquilo de que fala. ... O poeta não diz :- Eu sei escrever poesia. O poeta só sabe que para sobreviver tem de escrever o que vai pensando e sentindo... Desenganem-se os que acham que sabem escrever poesia. Não passam de aprendizes de feiticeiro. ACCB
E de repente apercebes-te de que não és só. Há mais por aí. Gente determinada e disposta a tudo se os limites do aceitável são ultrapassados. E não há limites quando se passam os limites, não há medos quando o medo é a imposição, e não há desistências quando já se faz tarde. E vejo mulheres que eram aparentemente flores vestirem-se de espinhos, mulheres doces e serenas tornarem-se feras, e vejo-as iniciarem uma cruzada contra a violência, contra a hipocrisia e contra os silêncios. Há uma hora para tudo e esta é a hora de Ser inteira. Sente-se isso nos tempos... Há uma forma de fazer as coisas no feminino que não é melhor, nem pior, é diferente. Acautelem-se os que acham que somos flores.
A vida, as suas perdas e os seus ganhos, a sua mais que perfeita imprecisão, os dias que contam quando não se espera, o atraso na preocupação dos teus olhos, e as nuvens que caíram mais depressa, nessa tarde, o círculo das relações a abrir-se para dentro e para fora dos sentidos que nada têm a ver com círculos, quadrados, rectângulos, nas linhas rectas e paralelas que se cruzam com as linhas da mão;
a vida que traz consigo as emoções e os acasos, a luz inexorável das profecias que nunca se realizaram e dos encontros que sempre se soube que se iriam dar, mesmo que nunca se soubesse com quem e onde, nem quando; essa vida que leva consigo o rosto sonhado numa hesitação de madrugada, sob a luz indecisa que apenas mostra as paredes nuas, de manchas húmidas no gesso da memória;
a vida feita dos seus corpos obscuros e das suas palavras próximas.
Passa-te o tempo E passa-te a Vida Passa o espanto pelo que ainda é novo Depois passa o olhar E passa tanta coisa ................ E abrem-se rugas na memória que no entanto continua jovem Passa-te o tempo ressequido A VIda ............ O Olhar pela pela memória do Tempo E ficam as rugas que a tristeza e a revolta te deixam nas mãos abertas
Como tu dirias, não estarei, não tenho que estar, mas é como se estivesse. E estarão muitos amigos teus, que te foram muito queridos e para quem serás sempre muito querido. E de repente mesmo os conhecidos descobriram que eras um homem pela Cidadania, pelo Direito e pelo Ser, mais que pelo dever ser. E descobriram todos que, da ponta da tua caneta, ou do teu rascunho a lápis, ou do teu teclado saía sempre o exercício da cidadania. É por isso que nalgumas pessoas Jornalismo e Direito casam tão bem, porque ambos denunciam, apesar de só um censurar, as atrocidades que se cruzam connosco ou andam por aí. E soubeste cumprir aquele mandamento em que dizias não acreditar :- Ama o Próximo como a ti mesmo. E mais importante que tudo isso, deixaste o exemplo e a vontade de fazermos igual. E é por isso que não estarei, não tenho que estar mas é como se estivesse...( ou talvez porque me vou habituando à tua forma de estar ausente que é agora a realidade).
Um Bom Dia. Se não for pedir muito que haja Sol quando disserem o teu nome.
( Faltou dizer que este pedacinho de imagem estava no Blog da Patricia
Apetecia-me entrar num museu,... assim,... de noite, sem som nos passos. Descobrir as mentiras nos olhos fechados mas abertos por debaixo das pálpebras, as tramas nos lábios e, o assobio de respirar profundo ou em apneia em forma de calúnia sussurrada. Talvez cortar-lhes o indicador até ao metatarso e, quem sabe, tirar-lhes todos os degraus das escadas em queda,... como se de noite todos os gatos não fossem pardos e os candeeiros das ruas fossem apenas o reflexo de um farol apressado nas horas. Entrar num museu e descobrir por detrás dos silêncios as estórias tristes de cada um. Descerrar-lhes as próprias lápides e acordá-los subitamente sob sons de mil cristais em queda aparatosa num chão de granito. Como se faz acontecer um pesadelo em que se apaga alguém?
Como deve ler-se poesia? Veste o casaco Senta-te e fecha os olhos Depois,...depois pega no livro. Puxa as mangas do casaco. Para cima. E abre o livro. Não abras os olhos. Abre o casaco. Qual a abertura certa de um casaco. Fecha o livro Abre os olhos Escreve... Poesia
"Amanhã fico triste, Amanhã. Hoje não. Hoje fico alegre. E todos os dias, por mais amargos que sejam, Eu digo: Amanhã fico triste, Hoje não. Para Hoje e todos os outros dias!!"
- Encontrado na parede de 1 dormitório de crianças do campo de extermínio nazi de Auschwitz
Escrevia no Anónimo. Um blog provocador e desafiador como a foto em amostra.
Naquela altura só quem era atrevido tinha blog e muitos de nós apareciamos com pseudónimos.
Alguns bem estranhos e disfarça...dos.
Tempos depois, eramos um grupo que soltava a escrita, encadeava as palavras , inventava cenários e desatava a escrever como se fosse um autêntico vício.
Às vezes provocávamos politicamente um temporal. Sabiamos, como sabemos, que eramos lidos... mas a barreira do virtual parecia quebrar todos os medos.
Conhecemo-nos ao vivo numa festa de aniversário... já lá vão uns valentes 10 anos.... Lembro-me que na primera impressão o achei MUITO!alto!!! Enorme.... e com um gesto curvado sobre a vida, ... um cigarro aceso sobre as ideias... sempre aceso... sempre presente. Depois partilhamos tantas ideias, tantas criticas....tantas coisas engraçadas e tristes...
Não deviamos conhecer tão bem os amigos. Levam-nos com eles quando partem.
Joaquim Manuel Coutinho Ribeiro Advogado Jornalista? Poeta nas horas vagas... Um amigo a tempo inteiro Meio século de existência
Foto tirada em 2009 - S. Pedro do Estoril numa tarde de Sol com um grupo de Amigos à volta
ACCB-
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Apesar de eu andar relapso - muito relapso, ó vida louca... -, nem por isso se esqueceu o Pedro Correia de me vir recordar que é a minha vez de indicar o blogue da semana. Opto pelo Cleopatra Moon.
É o blogue de uma querida amiga, que conheci precisamente na blogosfera, onde a discussão de assuntos sérios, com tendência para o Direito, se mistura com deliciosos apontamentos do dia-a-dia de quem vive a vida com prazer.
Umas vezes mordaz, outras vezes suave, mas sempre inteligente, a autora é uma magistrada dum tribunal superior que não teme dar opinião mesmo quando os temas fervem.
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Dia 4 Março de 2014 - Meu querido amigo, não te digo até já porque,
entre a saliva e os sonhos há sempre uma ferida de que não conseguimos regressar
e uma noite a vida começa a doer muito e os espelhos donde as almas partiram agarram-nos pelos ombros e murmuram como são terríveis os olhos do amor quando acordam vazios
Olha que me sentava aqui agora e escrevia-te qualquer coisa. É a chuva lá fora que me deixa assim nostálgica. Depois de cumprir deveres cívicos de que não abdico, cai a noite e o rodado dos carros salpica a estrada que me faz lembrar que hoje ainda é domingo e as pausas são curtas. São tão curtas as pausas... como são longas as reticências. Já reparaste que as reticências são cheias de imaginaçãoe silêncios? Como podem ambos ( imaginação e silêncio), conjugar-se em três pontinhos de nada? Tenho coisas para reler... ... Não me apetece nada... ... Olha que me sentava aqui agora e escrevia-te qualquer coisa, só para arrumar os pensamentos e soltar as ideias,... sem as arrumar, sem as ordenar... Precisam de espaço as ideias. É a chuva que me deixa assim nostálgica e nem é que eu saiba o que iria escrever... Às vezes tenho a sensação de que vou pensando conforme escrevo e as ideias surgem conforme surgem as letras. Não há nada construído, tudo vai ganhando forma conforme as palavras se vão ordenando e colocando no texto... não havia nada antes...umas provocam as outras e as sensações...ou estas as palavras... Olha que me sentava aqui agora ...e escrevia-te qualquer coisa... .
Recomeça… Se puderes, Sem angústia e sem pressa. E os passos que deres, Nesse caminho duro Do futuro, Dá-os em liberdade. Enquanto não alcances Não descanses. De nenhum fruto queiras só metade. E, nunca saciado, Vai colhendo Ilusões sucessivas no pomar. Sempre a sonhar E vendo, Acordado, O logro da aventura. És homem, não te esqueças! Só é tua a loucura Onde, com lucidez, te reconheças.
Não tinha nada. Nada a não ser o por do sol a desfalecer nos olhos, a dar-lhe a ilusão dos sonhos que não tinham passado disso. Na inquieta posição do sonhador que procura nas palavras a verdade que nunca viu de frente, tremem-lhe os dedos entre os cigarros que sufocam o cinzeiro até à exaustão. Cruza e descruza as palavras mas elas não lhe obedecem. Há um cansaço antigo que o inunda, uma angustia funda que lhe pesa nas pálpebras. Não é da maré a morrer na Foz, nem do dia a cair para lá do horizonte, ali mesmo na linha entre a vida e a morte. É o regressar às palavras que se fecharam, aos sonhos que não viveu, aos cigarros que finge fumar, ao cruzar e descruzar das pernas das letras que não se entendem, das palavras que nunca foram ditas... E há o rumor das vozes que o espreitam como dedos fundos que lhe entram no peito.... É a saudade, diz uma velha... Vem ver o mar, diz uma mulher... E adormece enovelado na noite.
Escrevo te de longe, de um tempo em que o tempo não vive fechado num espaço redondo e repetitivo. Digo te coisas que não escrevo não vá a realidade entrar e ficar a saber o que te digo. Deixa ficar assim,...neste espaço que nem teu é ou sequer nosso. Escrevo te daqui tudo o que te quero dizer Assim nada se perde nem se transforma. Bjs
"março. supunha que tinha nascido por ali. provavelmente logo no primeiro dia. 1 de Março é o primeiro dia da primavera.
estranho. não havia explicação plausível para o ostracismo devotado aos equinócios. uma questão de comodidade, diziam alguns. daí o fazer coincidir as estações do ano com inícios e fins de meses. a primavera a começar em 1 de março, o verão a 1 de junho, o outono a 1 de setembro e o inverno a 1 de dezembro.
depois lá aparecia pelo meio desta calendarística distribuição, o 24 de junho. e toda a tradição pagã saía à rua transportada pelas pessoas. cumprindo-se celebrações onde o fogo, os cantares, as danças, as coroas de flores nas mulheres de cabelos louros e olhos azuis. todos azuis. tantos azuis. como se todas fossem pintadas por Deus no mesmo dia.
perfeitas. lindas. lagos pequeninos nos olhos das faces brancas, ainda cobertas de neve. o dia onde a noite é tão curta que as árvores não adormecem e os sonhos não saem dos livros dos poetas. o alquimista das palavras acreditava que tinha nascido por ali. a 1 de março de um ano tão distante que não se via no deserto do tempo plantado na memória. por ali, a 1 de março, ou talvez a 29 de fevereiro de um ano bissexto qualquer.
e assim o deserto do tempo comia-lhe a contagem dos anos. só se lembrava de contar a idade de quatro em quatro anos. as palavras aperaltavam-se naquele dia. também elas acreditavam que ele tinha nascido no primeiro dia de primavera. falavam-lhe ao ouvido, as palavras, e deixavam mel a adocicar-lhe a memória. a solidão azedava-lhe a existência. e a pele, e as lágrimas que escorriam mais depressa naquele dia. lágrimas amargas que deixavam marcas de noite na camisa que vestia. não tinha a certeza se era um aniversário, mas as palavras em correrias tudo faziam para que ele acreditasse. mas ele queria Laura. queria tanto Laura.
e aquele querer era enorme, bastando fechar os olhos para a ver ali chegar. para a ver a afagar-lhe o cabelo. ouvir a sua voz ondulante, num corpo ondulante. um mar de mulher que lhe salgava a pele com gotículas de maré-cheia. fazia-lhe tanta falta. Laura. gostava de lhe beijar as mãos. sentir-lhe os dedos elegantes. percorrê-los com os seus. dedos dados em mãos dadas. e depois deixava que ela se sentasse no seu colo e contava-lhe histórias cheias de palavras que brincavam por todo o corpo de Laura. às vezes achava aquele amor impossível. como se pertencessem, cada um deles, a histórias diferentes. de escritores diferentes. estilos diferentes.
tempos diferentes. como se o seu encontro com Laura resultasse do desmancho de livros diferentes cujas páginas se intercalaram, como o destino intercala o futuro com o passado. ele, página 7 de um conto medieval. ela, página 77 de um romance moderno. ele velho, sem idade. ela frágil, com idade de princesa. ele, perdido. ela num processo de se encontrar. ele, sem vida para entreter. ela, com tudo para acontecer. ele com vontade de morrer. ela cheia de desejos de viver. que faziam ali os dois, num balançar de corpos, que só os olhos fechados dele faziam suceder?
e o amor era tão grande. e a dor era tão grande. e o desejo impossível de a ter crescia desmesuradamente, afundando os pequenos restos do barco a que ele chamou esperança. o alquimista das palavras abriu os olhos e Laura fugiu para dentro dele.
ocupou-lhe outra vez o coração. constava que era o seu aniversário, logo no primeiro dia da primavera e o que ele mais queria era Laura."
Belíssimo texto de Nuno Guimarães, in "Metropolis":
É a saudade que nos possui que nos massacra que nos engole Que nos acende os sentimentos Que só morre se morrer a ausência se o buraco que abre na alma se desvanecer...
Abriam-se às portas à nossa passagem por artes de vendavais citadinos.
A chuva essa, teimava em salpicar apenas as primeiras horas da noite.
Despiu-se o vento e foi para a rua, toda a noite, gritar aos quatro mares de barbas longas e cabelos desgrenhados farto dos Homens, farto do Mundo que lhe impede a passagem pelas orlas marítimas.
Desvairado arrancou árvores... e derrubou ferros e alturas.
Diz quem viu que tinha nos olhos o relampejar dos trovões.
A chuva, essa .... passou-lhe entre os dedos como que a desafiá-lo e falou-lhe em tempos idos... de Verões largos e de mares infinitos.
Esta manhã, o vento, cansado e de alma rasgada, acoitou-se perto do mar que se agita à sua presença.
Ninguém sabe se voltará a enlouquecer mais logo quando a noite acordar.
Manhã na Marginal. Domingo? Talvez domingo no calendário dele. Solidão... chapéu como os velhos que o cabelo é nenhum e algibeiras de uma gabardina que já deixa passar a chuva. Nada para salvar, nada para sentir. Sonhos leves e longínquos de dias felizes disfarçados por dias sem ser feliz. Bancos à espera de momentos e de pensamentos sentados....mar bravio sem dar lugar a reflexões. Vai onda , vem onda, maré cheia de ilusões a saltar a estrada. Manhã de domingo de ano novo... velho por dentro da alma só e escangalhada. Nada para guardar. Nada para salvar. Iphone no bolso, já encharcado que nem se atreve a espreitar com medo de perder o contacto com o resto do Mundo. Calças arregaçadas pelas meias que a maré subiu os sapatos.
Nada para salvar.... Sinal de mensagem no bolso...gola puxada ao queixo que o vento e o mar teimam em entrar dentro dele...mensagem....mensagem.... espreitou de costas para o vento... Nada. Nada para guardar. Nada para salvar...talvez a árvore esguia que se ergue à esquerda...tão alta como o orgulho da sua alma e a tristeza dos seus olhos. "Salvar"!, teima o iphone.... e as duas mãos seguram a solidão contra o vento como se fosse uma bandeira....uma árvore em luta com o tempo. ACCB