Terça-feira, 27 de Outubro de 2015

A Hora de ser livre

Abandono
Abandono

noilton

Nunca a Vida lhe fora tão morosa, tão desinteressante, tão trabalhosa. Havia luz lá fora mas ele morava no esquecimento, na espera dos dias que lhe pareciam longos,nas noites que queria eternas.

Em menino tinham-lhe dito que o Futuro era grande e nele viviam todos os desejos que continha no seu peito, todos os sonhos do Mundo. Tinha levado a vida sempre na busca dessa realização que não era senão conhecer o Mundo que nem imaginava e ser chefe da sua aldeia, o mais velho e mais respeitado dos seus.

Mas não, a vida passara-lhe e acenara-lhe um adeus que tinha pressa e outros seres para iludir. Nem a mulher que fora sua já tinha consigo. Levara-a uma época de chuvas pelo rio abaixo quando tentava impedir que as cabras que criaram com tanto mimo morressem na corrente.

Nada lhe ficara. Nem os filhos que tinham partido para uma guerra que não era a deles, um engano de homens que eram, eles sim, chefes.

Entreabriu a janela feita com madeira e sem preciosismo de vidro. Havia sol ou uma luz qualquer que diminuía a da candeia que queimava todos os dias o tempo, lentamente...

Não sabia as horas, nem os dias, nem já os anos que tinha. O corpo ficara-lhe na cama onde uma colcha antiga permanecia com aparência de intacta mas tão inerte quanto ele. Era uma luz que não era do sol só o braço erguido tinha movimento e vida. Já não fechou a janela e sentiu o calor da espera levar-lhe o último fôlego.

Nascera, existira. Estava na hora de ser livre.

ACCB

escrito no papiro por ACCB às 00:16
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Segunda-feira, 26 de Outubro de 2015

O outro lado da rua

Tem gotinhas a correr na rua. Avizinham-se frias e apressadas. Não admira é de noite e a esta hora, mesmo com a mudança da hora e principalmente por causa dela, as meninas não andam na rua em passo de passeio.

 


Gosto quando chove porque me sinto protegida...É aqui que a prosa tolhe as mãos... e os dedos.. e os olhos no teclado.
Pela vidraça não há vivalma na rua mas há. O Mundo não é este espaço daqui ali ao outro lado da rua. Há ruas sem calçada e sem estrada, enlameadas, friorentas e tristes onde dorme gente que fugiu à guerra.


Daqui para ali, o outro lado da rua, há uma cortina de nevoeiro que os dedos da chuva não conseguem afastar. Encosto a cabeça ao vidro.... O Mundo é tão grande, tem tantos espaços vazios, tem tanta gente a morrer e a nascer a esta hora, tem tanta criança com fome e outras a dormir com frio... se é que se dorme à chuva e com medo.


O meu mundo é tão pequeno, tem gotinhas a correr na rua que não vencem a cortina de nevoeiro. Vou dormir porque o meu Mundo é tão pequeno que gosto de ouvir a chuva porque estou protegida.... e protejo-me das crianças que dormem com fome e com frio e com medo em ruas sem calçada e sem casa...


Merecerei eu ouvir a chuva?

 

ACCB

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escrito no papiro por ACCB às 00:31
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Domingo, 25 de Outubro de 2015

Tarkovsky

 

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Tarkovsky

 

p>Não gosto de dias escuros, são assim como fotos a preto e branco com retoques de sépia mas de imagens colhidas em locais frios e húmidos com gente triste dentro. Triste de fome, de falta de vida, triste de só, sem trabalho, sem dinheiro, sem comida,... sem vida,... como os livros de Emile Zola ou os Miseráveis de Victor Hugo.

Não gosto de dias escuros... fazem-me lembrar os quartos dos amantes onde de tristeza não se abriram as janelas... Não que se guarde dos olhos do dia o amor ou a paixão, antes se esconde o frio de uma cama vazia, já feita e que não se desfez e todo o sol preso do lado de fora que nem as frestas das janelas de tinta estalada deixam entrar.

São como uma foto de Tarkovsky... Têm tudo dentro e, no entanto, se olharmos cai-nos a tristeza em cima. Arrepia-nos a alma e deixa-nos pensativos a ver se percebemos porque não se deixa entrar o Sol. Esmaga-nos o peito... até os ombros dos homens não têm Sol...

Não gosto de dias escuros, chuvosos, lentos peganhentos, que se arrastam pelas paredes, pelos campos... como um cão que permanece ao pé do dono e não entende se ele já está morto se apenas desistiu de se mover.

Não gosto.... e gosto.... Olho o ar em volta como se houvesse uma história por contar em cada neblina, em cada som envolto em nevoeiro, em cada nuvem que teima em pendurar-se dentro de mim como um morcego sonolento...

Nos dias escuros há paredes bafientas e janelas de tinta estalada, há homens de ombros caídos e sinto-lhes no rosto aqueles que os fizeram infelizes... e vejo-lhes os olhos que só enxergam o chão e não olham de frente... quietos, sonâmbulos, ...como uma cama vazia, já feita e que não se desfez e todo o sol preso do lado de fora que nem as frestas das janelas de tinta estalada deixam entrar.


ACCB

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Tarkovsky

 

escrito no papiro por ACCB às 00:21
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